Um Deus-Ex-Machina Falível

O sonho exorbitante do petróleo no Árctico. Energias renováveis poderão suprir 95% da demanda em 2050, afirma a WWF. Elementos sob ameaça colocam desafios às energias verdes. A jatropha cai do pedestal de planta maravilha para o biocombustível. África do Sul diz que o carvão é uma prioridade para a geração de energia. FMI, jovens irão enfrentar o desemprego durante toda a sua vida. James Howard Cunstler: O Pico do Petróleo e o declínio do sistema financeiro.

Em alta estão as notícias das revoluções no Egipto, na Tunísia e em mais uns quantos lugares do mundo, o aumento do preço das matérias primas e principalmente dos alimentos.
Que tal utilizar uma explicação mais abrangente e profunda para tentar analisar essas questões? É isso que vou tentar fazer hoje, em parte influenciado por um comentário de CropedFrag:

Agora que os protestos no Egipto iniciaram-se, todo o mundo coloca as culpas sobre esses protestos por causa dos aumento/inflação de um pouco de tudo (…)

Vou começar pelo fim deste texto, e tal como reflectem as palavras de James Howard Kunstler, a noção de Pico do Petróleo é cada vez mais uma realidade incontornável. (No fim do texto estará o vídeo com as explicações de James Howard Kunstler)

Primeira pergunta. Será uma realidade essa noção de Pico do Petróleo?
Oficialmente continua a ser tabu, mas não oficialmente é algo atendível nas acções que o mundo está a tomar. A mais importante das dicas que nos ajuda a compreender se tal é verdade ou não, é a mobilização de meios e capital para as áreas quase inacessíveis do planeta, as últimas fronteiras, em busca do ouro negro… para os pólos.
Os mais incautos poderão dizer que: Se existe petróleo por lá porque não extraí-lo já?
Raramente os problemas no e do nosso mundo são de resolução simplista e facilitista, e as dificuldades técnicas, colocadas sobre os meios técnicos actuais usados na extracção de petróleo, são levadas ao limite do conhecimento e do capital existente.
Para confirmar o que acabei de escrever, o Der Spiegel escreveu um excelente artigo expondo todas as dificuldades com que o Homem se está a deparar para conseguir domar as dificuldades impostas pela exploração nos pólos.
Primeiro, até hoje todos os poços exploratórios construídos nos pólos foram uma decepção monumental… nenhum revelou a presença de petróleo:

Dois rotundos falhanços e um teste abortado — um resultado miserável. Quando, em Outubro passado, a companhia escocesa Cairn Energy publicou os resultados preliminares da sua pesquisa de petróleo na costa da Groenlândia, as suas acções caíram 7%, apenas num dia. As suas descobertas não revelaram nem uma gota do ouro negro: a companhia afirma que os custos ascenderam a 180 milhões de euros.
In Der Spiegel

Se nem a tecnologia para se acessar a existência ou não de petróleo no solo é fiável… Mesmo assim o mundo inteiro sustém a respiração na esperança do surgimento de notícias positivas sobre a potencial existência de reservas imensas de ouro negro lá por aquelas bandas. Se nem nos números das espectáveis reservas existentes por lá podemos confiar ou basear as nossas opções de futuro…

Os cientistas estimavam que a região podia albergar aproximadamente 7,5 biliões de barris de petróleo — 1,2 triliões de litros. Mas estatisticamente, a probabilidade de produzirem tais quantidades é a mesma de nem se chegar a extrair uma gota.
In Der Spiegel

E quando se analisa os custos de energia investida versus energia produzida, eis que os cientistas chegaram a esta conclusão:

Se assumirmos que os custos de produção serão superiores a 100 dólares por barril, apenas poderão ser explorados 2,5 biliões de barris, de acordo com os cálculos da USGS — e com 50% de probabilidade.
In Der Spiegel

Bem, para quem estiver menos atento, isto até poderá parecer normal, até positivo, e por isso vou expor novamente os dois números que foram avançados para essa região (na costa da Groenlândia) — 7,5 biliões de barris de reservas estimadas e 2,5 biliões de barris de produção máxima, com apenas 50% de probabilidade.
O que nos contam estes números de 7,5 e 2,5 biliões respectivamente?
Dizem-nos que na melhor das hipóteses apenas 1\3 é explorável rentavelmente e\ou que a rede de energia – quantidade de energia investida versus energia produzida – é inferior a zero, é (quase) NEGATIVA!
Quase se pode concluir daqui que a rentabilidade da exploração dos pólos poderá ser apenas uma opção de subsistência e não de viabilidade comercial para o mundo, ou então que o barril de petróleo terá de estar acima dos 300 dólares para tornar a exploração (quase) rentável. Já imaginaram como será um mundo com o petróleo a 300 dólares por barril?
Mas há mais…

De modo a explorar tais reservas, as companhias terão de gastar muito mais. Mesmo se nos basearmos nuns quase inacreditáveis 300 dólares por barril, apenas poderão ser extraídos 4,1 biliões de barris, com a mesma taxa de probabilidade de sucesso de 50%. “Isto é sem contabilizar 1 cêntimo de impostos, nem 1 cêntimo de lucro.”
In Der Spiegel

Por conseguinte, temos de esperar que o barril de petróleo esteja bem acima dos 300 dólares para que a exploração nos pólos seja um facto viável economicamente e com um retorno, escrevo, miserável de menos de 2 para 1. Já imaginaram um mundo em que o barril esteja acima de 300 dólares?!?!

E o que nos resta? As renováveis?
Sim, em parte, mas desengane-se quem pensar que tal possa vir a ser exequível a tempo de se evitar que o mundo entre em convulsões económicas, sociais e políticas, porque a subjectividade latente em tais desejos\sonhos é imensa. Mas preparem-se que nos próximos tempos iremos ser constantemente bombardeados com os sonhos e visões cor-de-rosa, os quais irão no seu âmago ser  quase sempre mentirosos, ou ilusórios, ou ainda verdadeiramente irrealistas.
Eis um exemplo disso numa notícia que saiu hoje:

A demanda energética mundial poderá ser suprida em 95 por cento por energias renováveis até 2050, segundo um relatório divulgado na quinta-feira pela entidade ambientalista WWF e pela consultoria energética Ecofys.
In Reuters

Todos nós queremos que isto seja verdade. Todos precisamos que isso seja uma realidade. Mas infelizmente, as realidades simplistas e facilitistas são constantemente consumidas pela verdadeira dimensão da realidade:

A edição de Janeiro da Chemistry World trás consigo um aviso sobre a iminente escassez de certos elementos. Entre eles estão os elementos raros do planeta e em particular do Neodímio, a produção do qual, estima-se, terá de quintuplicar para conseguir construir ímãs suficientes para abastecer o número estimado de turbinas eólicas necessárias para um futuro de renováveis. Os meus cálculos apontam para que isso ainda assim leve de entre 50 a 100 anos a ser implementado (…)
In Forbes

Portanto, essa coisa do em 2050 95% da energia provirá das renováveis poderá mais não ser que um belo sonho, um desejo de, não a realidade que necessitamos para tomar as opções correctas para o nosso futuro e futuro dos nossos filhos.
Vamos continuar a dar ouvidos ao que estas instituições internacionais nos querem fazer crer?

Mas ainda há mais. A jatropha, planta que até há bem pouco tempo era quase endeusada como a maravilha que podia ser cultivada em terrenos que não servem para a agricultura – terrenos marginais – e que tinha alta rentabilidade, caiu do seu pedestal de anjo salvador para:

A jatropha não é a planta maravilha que muitas pessoas pensam ser.
Cresce em terrenos marginais, mas se usar terrenos marginais irá obter colheitas marginais.
In Reuters

Este é apenas só mais um exemplo dos incontáveis salvadores que já foram anunciados por incontáveis quadrantes da nossa sociedade, sempre embrulhados numa esperança ilusória, num sonho, armas de um método científico que é muito mais falível que o desejável. A verdade é que o mundo, a economia e as sociedades mal conseguem reduzir a sua dependência das matérias primas fósseis, do petróleo e do carvão. O que temos vindo a assistir, com o aumento do preço e escassez do petróleo, é a um recrudescimento da demanda mundial por carvão. A última economia a sublinhar isso foi a sul africana:

A empresa estatal de energia Eskom tem-se deparado com cada vez mais dificuldade para assegurar o carvão necessário de forma a suprir as necessidades energéticas da maior economia de África, depois das minas de carvão terem virado o seu foco e produção para as exportações para a Ásia, devido à promessa de lucros mais avultados.
In Reuters

A sofreguidão desde mundo, deste sistema exponencial económico e social, não espera pelo desenvolvimento de novas tecnologias, ele está viciado no seu ritmo de crescimento cada vez mais acelerado e incontrolável. Quem ficar à espera que um Deus-Ex-Machina, sob a forma de tecnologias inovadoras\sonhadoras, chegue para resolver todos os problemas, poderá muito bem estar inadevertidamente a ajudar no agudizar dos mesmos, debaixo de uma passividade mental que poderá ser a melhor amiga da continuação do sistema das coisas.

E o que podemos esperar do futuro com este avolumar das questões energéticas que são o sangue das economias e sociedades deste mundo?
Não vou ser eu a responder a isso, porque tenho apenas indicadores, e esses valem o que valem, vou deixar isso para as mesmas instituições que nos pintam os dias num constante cor-de-rosa ilusório. Neste caso, cedo a palavra ao FMI:

O diretor geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) fala numa “geração perdida” no desemprego. Futuro será marcado por maior protecionismo comercial e agitação social violenta.
In Expresso

Portanto, ou eles estão a par da verdadeira realidade – o que me parece ser mais do que evidente -, ou então, por vezes, mudam o tom da retórica e pintam tudo num negro profundo. Na minha modesta opinião, acho que eles, no meio de tanta publicidade enganosa, lá vão dizendo, a espaços, a verdade…

E o que tem tudo isto a ver com os acontecimentos no Egipto?
É (apenas) a base da história subjacente ao aumento do preço do pão… e não só… um dos seus principais factores que é e será (quase) continuadamente analisado de forma efémera e desconectada… A energia é o sangue que impulsionou, impulsiona e irá continuar a impulsionar a vitalidade de todas as formas sociais… e um mundo castrado dessa vitalidade…
Quase nada no nosso mundo é de explicação simplista e facilitista. O nosso mundo vive numa cadeia de factores interligados que não podem ser desassociados, sob pena de se andar apenas a pregar o falso, o ilusório…

E vou fechar com quem iniciei, com James Howard Kunstler e as suas sábias e serenas palavras, um dos poucos verdadeiros analistas deste nosso mundo… mundo que está em larga medida suspenso na ideia da existência de um Deus-Ex-Machina que nos irá salvar, através da tecnologia, de todos os males… James Howard Kunstler:

Notícia do Der Spiegel – The Exorbitant Dream of Arctic Oil
Notícia da Reuters – Energia renovável pode atender 95% da demanda em 2050, diz WWF
Notícia da Forbes – Endangered Elements Pose Threat To Green Energy
Notícia da Reuters – Biofuel jatropha falls from wonder-crop pedestal
Notícia da Reuters – S.Africa says coal for power a priority
Notícia do Expresso – FMI: jovens enfrentarão desemprego toda a vida
Notícia do The Nation – James Howard Kunstler: Peak Oil and Our Financial Decline

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Posted on 03/02/2011, in Agricultura, Artigos, Economia, Energias and tagged , , , , , , , , , , , , , . Bookmark the permalink. Deixe um comentário.

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